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  • ENTREVISTA
  • 18 abril 2020

Entrevista com o Expresso

Entrevista com Luis de Guindos, Vice- Presidente do BCE com João Silvestre realizado no dia 15 abril 2020

Esta é a maior crise das nossas vidas?

De acordo com o FMI, vai ser a maior recessão desde a Grande Depressão. Há um elevado nível de incerteza e, com um nível de incerteza destes, o que devemos fazer é analizar vários cenários. O cenário central do FMI é muito similar a outras previsões, públicas e privadas. É importante ter em consideração que o impacto na economia que será enorme está concentrado no segundo trimestre deste ano – e em março também – e o impacto será profundo, mas será temporário. Este elemento temporário é importante. Os cálculos apontam para uma queda no segundo trimestre que pode atingir 20% em relação ao trimestre anterior. O que irá ter também um impacto nas contas públicas e nos mercados financeiros.

Apesar da incerteza de que falou, é possível acreditar numa recuperação rápida em 2021?

O fator chave é a duração do confinamento que, quanto mais longo for, maior o impacto que tem. Esperamos que durante o próximo mês as medidas de contenção comecem a ser aliviadas, o que reduzirá o impacto negativo na economia, e que no segundo semestre regressemos a taxas de crescimento positivas. Mas esta recuperação no segundo semestre e em 2021 dificilmente conseguirá compensar a queda deste ano.

A atual política monetária do BCE é suficiente para lidar com o impacto económico da covid-19 ou podemos esperar medidas adicionais em breve?

Tomámos varias medidas relevantes. A nossa política tem sido bastante ativa na resposta à situação, com três tipos de medidas. O primeiro é liquidez para os bancos, com a alteração das regras de colateral para o acesso às operações de cedência de liquidez. Assim, os bancos europeus têm ao seu dispor mais liquidez e em condições mais favoráveis. O segundo foram as medidas tomadas pelo supervisor, o Mecanismo Único de Supervisão, que reduziu as exigências de capital para os bancos europeus, de classificação do crédito malparado (NPL) e das regras contabilísticas para evitar um credit crunch. E, em terceiro lugar, lançámos o “Pandemic Emergency Purchase Programme (PEPP)” de 750 mil milhões de euros que irá elevar o nosso total de ativos comprados em 1,1 biliões de euros em 2020. É um montante elevado para manter a estabilidade financeira nos mercados de dívida, especialmente nos mercados de dívida pública, e para manter os mecanismos de transmissão da nossa política monetária. E depois, claro, há a política orçamental dos governos, da Comissão Europeia e a decisão do Eurogrupo da semana passada.

Acha que as medidas acordadas na semana passada no Eurogrupo são suficientes para lidar com a gravidade do problema ou deveriam os ministros das Finanças ter ido mais longe? Com as coronabonds, por exemplo, ou soluções semelhantes.

O acordo que houve foi um compromisso na direção certa. É importante lembrar isso. Para haver um compromisso, todos têm de ceder um pouco e acreditar nele. O acordo é um sinal de que há um compromisso político. Em relação a outras potenciais medidas, como as coronabonds, o BCE sempre foi favorável à existência de um instrumento orçamental europeu com capacidade de agir de forma complementar à política monetária. Só que essa é uma decisão política. Somos favoráveis, achamos que é positivo para a zona euro, mas vamos ver o que acontece. Há um Conselho Europeu a 23 de abril. Achamos que é um instrumento útil mas não depende do BCE. Tem que ser decidido pelos governos europeus.

E quais são as suas expetativas? Acha que é possível chegar a um acordo político para dar esse passo para as coronabonds ou é apenas um sonho?

Não me atrevo a dizer o que irá acontecer. Posso apenas dizer que a situação agora é difícil e que o compromisso do Eurogrupo foi positivo, mas vamos ver. A possibilidade de ser criado um fundo de recuperação é uma boa ideia. A dimensão deste fundo e a forma como irá ser financiado está em aberto, por isso, dependerá da decisão dos governos europeus.

Por que decidiu o BCE lançar um novo programa – o Pandemic Programme – apenas alguns dias depois de ter anunciado um reforço do programa anterior. Foram demasiado otimistas na avaliação inicial da situação?

Em três ou quatro dias vimos uma rápida deterioração da situação. Foram tomadas medidas de confinamento em vários países e constatámos que o impacto na economia poderia ser enorme, com efeitos nos mercados financeiros. Foi uma reacção rápida da nossa parte. Foi positiva para acalmar os mercados financeiros e foi bem compreendida.

As taxas de juro de vários países estão a subir, Itália em particular. Isto é um motivo de preocupação para o BCE?

O que temos é uma combinação de problemas: uma grande recessão, um enorme impacto nas contas públicas e um aumento das necessidades de financiamento. Isso gera tensões nos mercados financeiros e no mercado de dívida pública em particular. Vamos manter-nos atentos. Como dissemos várias vezes no passado recente, não iremos autorizar qualquer fragmentação do mercado de dívida e agiremos em conformidade. Temos um novo instrumento – o PEPP – e podemos usá-lo com flexibilidade em termos de timing e de ativos que compramos. Por isso, espero que possamos lidar com esta situação.

Posso concluir das suas palavras que o BCE está disponível para reforçar o programa ou tomar outras medidas para lidar com quaisquer tensões que surjam?

Temos um programa que estamos a implementar. O Conselho do BCE não se decidiu sobre novos programas. Estamos de mente aberta para lidar com novos desenvolvimentos e tensões que surjam nos mercados. Porque estamos completamente comprometidos em manter a estabilidade nos mercados financeiros e a evitar a fragmentação que possa impedir o funcionamento dos mecanismos de transmissão da política monetária.

As pessoas em países como Portugal, Espanha ou Itália estão preocupadas com a possibilidade de terem uma nova crise como a crise das dívidas soberanas em 2010/2011. Pode o BCE assegurar que irá fazer tudo o que for necessário para evitar esse cenário?

Mostrámos o nosso compromisso agora, com a liquidez, com a flexibilização dos requisitos de capital para os bancos e com o programa de compra de ativos. Temos um grande compromisso. A crise que vivemos agora é muito diferente da que tivemos em 2010/2011. Não teve origem em problemas orçamentais ou no sistema bancário. Foi um choque exógeno de grande dimensão. É um problema de saúde que se transformou num problema económico. O que estamos a fazer é tentar evitar que se transforme numa crise de dívida.

Os bancos europeus estão hoje em melhores condições para lidar com esta crise do que estavam em 2008? Ou podemos esperar o colapso de bancos em vários países?

A situação é muito diferente da que tínhamos há 10 anos. Os bancos estão mais capitalizados, têm mais liquidez e estão mais resistentes. A maior preocupação tem a ver com a rentabilidade que já era bastante baixa. Os bancos europeus estão solventes mas estou consciente que esta crise irá afetar ainda mais a sua rentabilidade. A médio prazo, os bancos devem continuar a fazer um esforço para eliminar a capacidade excessiva e a consolidação pode ser uma forma inteligente para lidar com a rentabilidade. Em termos de solvência, esta não é uma crise bancária. Desta vez os bancos não são o problema e podem ser parte da solução.

E há o risco de alguns bancos virem a perder dinheiro com o crédito que estão a dar agora se a recessão for mais grave do que se espera?

Todos os governos, Portugal incluído, aprovaram garantias públicas. Quando há este nível de incerteza e de quebra do PIB, estas garantias são muito importantes e úteis para evitar um credit crunch.

Vários economistas têm considerado a dimensão da resposta à crise na zona euro de ser fraca quando comparada com os EUA ou com o Reino Unido, onde o banco central vai até financiar diretamente o Estado. Como vê estas críticas?

Quando olhamos para todo o pacote do BCE, é impressionante. Depois temos a política orçamental, com os vários programas dos governos nacionais, e finalmente temos a decisão do Eurogrupo. A resposta europeia é comparável com a de outras economias mundiais.

Qual o conselho que gostaria de deixar aos governos da zona euro sobre a forma de lidar com os impactos económicos desta pandemia?

Temos que ter consciência irá produzir uma quebra importante nas receitas das empresas que o setor público deve compensar. O principal elemento para garantir que a economia começa a recuperar quando a situação de saúde melhorar é tentar imunizar, o melhor possível, o ecossistema empresarial de cada país. O que devemos tentar fazer é manter vivo o sistema empresarial, dentro do possível, e atravessar este período de tempo. Esse é o meu conselho. Manter esse ecossistema é importante também para manter emprego e reduzir o impacto social.

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