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Document 52018AB0051

Parecer do Banco Central Europeu, de 9 de novembro de 2018, sobre uma proposta de regulamento relativo à criação de uma Função Europeia de Estabilização do Investimento (BCE/2018/51)

OJ C 444, 10.12.2018, p. 11–14 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

10.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 444/11


PARECER DO BANCO CENTRAL EUROPEU

de 9 de novembro de 2018

sobre uma proposta de regulamento relativo à criação de uma Função Europeia de Estabilização do Investimento

(BCE/2018/51)

(2018/C 444/05)

Introdução e base jurídica

Em 10 de julho de 2018, o Banco Central Europeu (BCE) recebeu do Parlamento Europeu um pedido de parecer sobre uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação de uma Função Europeia de Estabilização do Investimento (1) (a seguir «regulamento proposto»).

A competência do BCE para emitir parecer resulta do disposto no artigo 127.o, n.o 4, e no artigo 282.o, n.o 5, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, uma vez que o regulamento proposto, dado o seu objetivo de estabilização macroeconómica, é relevante para o objetivo primordial do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) de manutenção da estabilidade dos preços e, sem prejuízo deste último, de apoio às políticas económicas gerais da UE, conforme previsto no artigo 127.o, n.o 1, e no artigo 282.o, n.o 2, do Tratado e no artigo 2.o dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu (a seguir «Estatutos do SEBC»). O regulamento proposto também contém disposições que incidem sobre o papel desempenhado pelo BCE enquanto agente fiscal das entidades públicas referidas no artigo 21.o-2 dos Estatutos do SEBC.

O presente parecer foi aprovado pelo Conselho do BCE, em conformidade com o disposto no primeiro período do artigo 17.o-5 do Regulamento Interno do Banco Central Europeu.

Observações genéricas

A criação da Função Europeia de Estabilização do Investimento (EISF) visa proteger o investimento público em caso de grandes choques assimétricos nos Estados-Membros cuja moeda é o euro e nos Estados-Membros não pertencentes à área do euro que tenham aderido ao mecanismo das taxas de câmbio (MTC II) (a seguir, coletivamente, «Estados-Membros participantes») e, ainda, prevenir o risco de repercussões negativas. (2) Espera-se que EISF faça parte de um conjunto mais vasto de novos instrumentos destinados a reforçar a resiliência da área do euro no quadro da União. Tal resiliência iria contribuir para aprofundar a União Económica e Monetária Europeia (UEM). O regulamento proposto prevê que a prestação de apoio ao abrigo da EISF fique dependente do cumprimento de determinadas decisões e recomendações no âmbito do quadro de supervisão orçamental e macroeconómica da União (3). Observa-se, neste contexto, que o quadro orçamental da União visa assegurar que os Estados-Membros tentem conduzir políticas orçamentais sólidas e constituir reservas orçamentais em períodos de prosperidade económica (4).

O Relatório dos Cinco Presidentes de 22 de junho de 2015 (5) salientou a necessidade de se completar a arquitetura económica e institucional da UEM. Tendo em conta a experiência obtida com a crise financeira e económica, defenderam-se novas medidas de integração para melhorar a resiliência dos Estados-Membros em caso de recessão económica grave. Esperava-se que os Estados-Membros apoiassem iniciativas destinadas a conferir uma maior resiliência às economias nacionais, e a complementar esses esforços com medidas adicionais destinadas a completar a união fiscal e económica – nomeadamente, a criação de uma função comum de estabilização macroeconómica. Tal função existe em todas as uniões monetárias, com o objetivo de possibilitar lidar melhor com os choques económicos que não podem geridos a nível nacional. Devidamente concebida, a função comum de estabilização macroeconómica aumentaria a resiliência económica dos Estados-Membros participantes individuais e da área do euro no seu conjunto, promovendo também, deste modo, a política monetária única.

Neste contexto, o BCE acolhe com agrado o novo impulso dado ao debate sobre como estabelecer uma função comum de estabilização macroeconómica nos Estados-Membros participantes. Ao estabelecer tal função, importa assegurar que esta proporcione uma estabilização macroeconómica eficaz, em especial nos casos de uma recessão económica profunda que afete toda a área do euro. Para tal, é necessário que a função de estabilização financeira tenha dimensão suficiente. Neste contexto, é de notar que a proposta referente à EISF prevê uma dotação financeira máxima para os empréstimos back-to-back de 30 mil milhões de EUR, o que representa apenas cerca de 0,3 % do Produto Interno Bruto (PIB) da área do euro. A eficácia da estabilização também exige que o apoio da EISF seja desencadeado e implementado de forma atempada. Para serem adequados, os critérios de ativação do apoio da EISF devem distinguir de forma eficaz entre desenvolvimentos cíclicos e estruturais. O fator de ativação do apoio da EISF previsto está relacionado com a taxa média de desemprego ao longo de um período de 60 trimestres. Este período tão longo não parece justificar-se, uma vez que o desemprego efetivo pode estar longe da média dos 60 trimestres no caso de países que sofreram fortes tendências de aumento ou redução do desemprego nos quinze anos precedentes. O fator de ativação previsto na proposta não levaria suficientemente em conta, por um lado, as rigidezes do mercado de trabalho que não tenham sido objeto de reformas em alguns Estados-Membros ou, por outro, as reformas destinadas a aumentar a resiliência adotadas por outros Estados-Membros. É importante que o apoio da EISF complemente incentivos para a adoção de políticas económicas e fiscais nacionais sólidas e, em especial, de reformas que respondam aos desafios nacionais estruturais e reforcem o cumprimento do quadro de supervisão orçamental e macroeconómica da União. O apoio da EISF deveria ser associado a um historial de observância cabal, pelo Estado-Membro participante, do quadro de supervisão orçamental e macroeconómica da União. Neste contexto, os critérios de elegibilidade previstos são aparentemente fracos – em especial o critério que exige a ausência de uma decisão do Conselho determinando que não foram tomadas medidas eficazes para corrigir um défice excessivo, nos termos do artigo 126.o, n.os 8 e 11, do Tratado, nos dois anos que precederam o pedido de apoio da EISF. Este critério de elegibilidade também permitiria a concessão do apoio da EISF aos Estados-Membros que tenham conseguido evitar o incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) (6), não obstante a persistência de défices significativos no tocante à adoção de ajustamentos estruturais) É importante que uma futura função de estabilização proporcione incentivos para que os Estados-Membros constituam reservas fiscais nos períodos de conjuntura económica favorável a que se possam recorrer em períodos de recessão. Por último, seria necessário esclarecer a relação entre o regulamento proposto e o uso de flexibilidade no âmbito do PEC, nomeadamente no que diz respeito às disposições da denominada «cláusula de investimento» (7), que tem um objetivo semelhante ao do apoio da EISF, a saber, manter o investimento nos períodos de conjuntura económica desfavorável. Sobretudo, é necessária uma disposição que assegure que o nível do apoio da EISF seja adequado ao nível necessário para manter a sustentabilidade da dívida.

Observações específicas

1.   Utilização dos proveitos monetários como base para o cálculo das contribuições nacionais para o Fundo de Apoio à Estabilização

O Fundo de Apoio à Estabilização seria quase exclusivamente financiado por contribuições dos Estados-Membros participantes. Estas contribuições seriam calculadas em conformidade com um Acordo sobre a transferência de contribuições para o Fundo de Apoio à Estabilização celebrado entre os Estados-Membros participantes (8) (a seguir «projeto de acordo»). Nos termos do projeto de acordo, a contribuição anual de cada Estado-Membro cuja moeda é o euro para o Fundo de Apoio à Estabilização seria equivalente a 6 % do montante dos proveitos monetários atribuídos ao respetivo BCN no final do exercício anterior em conformidade com o artigo 32.o dos Estatutos.do SEBC. A contribuição anual dos Estados-Membros não pertencentes à área do euro que participam no ERM II seria calculada utilizando uma fórmula que leva em conta os proveitos monetários totais do Eurosistema e determina a parcela atribuída a um Estado-Membro não pertencente à área do euro mas que participa no ERM II apenas com base no PIB, e não na população.

1.1.   Independência institucional

O princípio da independência institucional está expressamente consagrado no artigo 130.o do Tratado e no artigo 7.o dos Estatutos do SEBC. Estes dois artigos proíbem que os BCN e os membros dos respetivos órgãos de decisão solicitem ou recebam instruções das instituições, órgãos ou organismos da União, dos governos dos Estados-Membros ou de qualquer outra entidade. Além disso, as instituições, órgãos, organismos e agências da União, bem como os Governos dos Estados-Membros, comprometem-se a respeitar este princípio e a não procurar influenciar os membros dos órgãos de decisão do BCE ou dos bancos centrais nacionais no exercício das suas funções (9). Se, por um lado, resulta do projeto de acordo que as contribuições para o Fundo de Apoio à Estabilização são obrigações de pagamento dos Estados-Membros participantes, o princípio da independência institucional exige que os Governos dos Estados-Membros não exerçam qualquer pressão sobre os respetivos BCN. Neste sentido, a menção, no projeto de acordo, de que a contribuição nacional de um Estado-Membro seria «equivalente a 6 % do montante dos proveitos monetários atribuídos ao respetivo banco central nacional» indica que esta é apenas uma fórmula que deve ser utilizada para o cálculo das obrigações de pagamento de um Estado-Membro participante. Tal reduz o risco de exercício de pressão sobre os órgãos de decisão do BCN no que diz respeito aos respetivos processos de decisão autónoma relativos a investimentos e estratégias de risco, assim como à distribuição de lucros. Por último, o BCE veria com agrado a supressão da obrigação que lhe é imposta pelo regulamento proposto, de comunicar à Comissão, o mais tardar até 30 de abril de cada ano, o montante dos proveitos monetários atribuído aos BCN do Eurosistema nos termos do artigo 32.o dos Estatutos do SEBC para efeitos de cálculo das contribuições dos Estados-Membros participantes. Esta supressão evitaria qualquer risco de interferência na independência institucional do BCE. O BCE está pronto a cooperar com a Comissão em relação a este aspeto, de harmonia com o considerando 27 do regulamento proposto, o qual esclarece que o BCE deve comunicar à Comissão o montante dos proveitos monetários a que os BCN do Eurosistema têm direito.

1.2.   Independência financeira

O princípio da independência financeira impõe que os BCN disponham de meios suficientes para desempenharem as suas atribuições relacionadas com o SEBC e as suas atribuições a nível nacional. Os Estados-Membros não podem colocar os respetivos BCN na posição de não disporem de recursos financeiros suficientes para o desempenho destas atribuições (10). No regulamento proposto, as contribuições nacionais para o Fundo de Apoio à Estabilização referidas no projeto de acordo devem ser pagas pelos Estados-Membros participantes. Não são contribuições ou obrigações dos BCN ou do BCE. Por conseguinte, o regulamento proposto não parece afetar a capacidade do BCN de dispor autonomamente de recursos financeiros suficientes para o cumprimento do seu mandato.

1.3.   Considerações adicionais

1.3.1.

O BCE entende que o cálculo das contribuições nacionais para o Fundo de Apoio à Estabilização está dissociado de quaisquer rendimentos ou lucros efetivos do banco central. O montante dos proveitos monetários atribuídos ao BCN pode ser considerado um parâmetro de cálculo que varia anualmente. Por conseguinte, o montante de 6 % indicado no projeto de acordo como ponto de referência para o cálculo das contribuições nacionais para o Fundo de Apoio à Estabilização deve referir-se apenas ao montante final dos proveitos monetários atribuídos ao BCN. Tal deveria acontecer mesmo no caso de uma perda sofrida pelo BCE ser compensada, total ou parcialmente, com os proveitos monetários do exercício pertinente em conformidade com o artigo 33.2 dos Estatutos do SEBC (11).

1.3.2.

O BCE observa que a ligação das contribuições dos Estados-Membros participantes para o Fundo de Apoio à Estabilização aos proveitos monetários mediante a aplicação de uma taxa percentual predeterminada conduz automaticamente à volatilidade das contribuições dos Estados-Membros participantes. Esta volatilidade pode afetar a transferência de novos recursos para o Fundo de Apoio à Estabilização.

1.3.3.

O regulamento proposto utiliza os proveitos monetários do Eurosistema anuais como base de cálculo das contribuições anuais tanto dos Estados-Membros cuja moeda é o euro como dos Estados-Membros não pertencentes à área do euro que participam no MTC II. Relativamente aos Estados-Membros cuja moeda é o euro, os proveitos monetários são repartidos pelos respetivos BCN em conformidade com as respetivas participações na tabela de repartição do capital do BCE que são ponderadas de acordo com a parcela respetiva de cada Estado-Membro na população e no PIB da União, conforme estabelecido no artigo 29.o dos Estatutos do SEBC. Contudo, as contribuições dos Estados-Membros não pertencentes à área do euro que participam no ERM II para o Fundo de Apoio à Estabilização são calculadas com base nos proveitos monetários do Eurosistema, os quais são repartidos proporcionalmente por cada Estado-Membro apenas com base nos respetivos dados relativos ao PIB. Esta discrepância pode traduzir-se em contribuições comparativamente maiores ou menores dos Estados-Membros não pertencentes à área do euro que participam no ERM II.

2.   Gestão dos empréstimos

2.1.

O BCE está preparado para estabelecer com a Comissão os mecanismos necessários para assegurar a gestão dos empréstimos, e para receber do Estado-Membro em questão o capital e os juros devidos a título do empréstimo da EISF numa conta do BCE, conforme previsto no regulamento proposto. A este respeito, o BCE observa que, de acordo com o artigo 21.2 dos Estatutos do SEBC, o BCE pode atuar como agente fiscal das instituições da União, da mesma forma que em relação à gestão dos empréstimos no âmbito do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (12).

2.2.

Todos os montantes da EISF depositados nas contas especiais a abrir pelo Estado-Membro em questão no respetivo BCN para a gestão do apoio da EISF recebido serão tratados em conformidade com os termos estabelecidos nos atos jurídicos pertinentes, como a Orientação BCE/2014/9 do Banco Central Europeu (13).

Nos casos em que o BCE recomenda uma alteração ao regulamento proposto, as sugestões de reformulação específicas constam de um documento técnico de trabalho separado, acompanhadas de um texto explicativo. O documento técnico de trabalho está disponível, na versão inglesa, no sítio Web do BCE.

Feito em Frankfurt am Main, em 9 de novembro de 2018.

O Presidente do BCE

Mario DRAGHI


(1)  COM(2018) 387 final.

(2)  Ver a exposição de motivos do regulamento proposto, p. 2.

(3)  Artigo 3.o, n.o 1, do regulamento proposto.

(4)  Ver «Concluir a União Económica e Monetária Europeia», relatório apresentado por Jean-Claude Juncker, em estreita cooperação com Donald Tusk, Jeroen Dijsselbloem, Mario Draghi e Martin Schulz, em 22 de junho de 2015, p. 4, disponível no sítio Web da Comissão em www.ec.europa.eu.

(5)  «Concluir a União Económica e Monetária Europeia», relatório apresentado por Jean-Claude Juncker, em estreita cooperação com Donald Tusk, Jeroen Dijsselbloem, Mario Draghi e Martin Schulz, em 22 de junho de 2015.

(6)  Refira-se, a este respeito, que, nos termos do artigo 126.o do Tratado, sempre que um Estado-Membro não tenha reagido às recomendações que o Conselho lhe tenha dirigido no contexto de uma decisão anterior do Conselho de que o Estado-Membro não tinha cumprido os requisitos do critério do défice do Tratado, o Conselho deve emitir uma decisão determinando que não foram tomadas medidas eficazes.

(7)  A «cláusula de investimento» está prevista no artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 1466/97 do Conselho, de 7 de julho de 1997, relativo ao reforço da supervisão das situações orçamentais e à supervisão e coordenação das políticas económicas (JO L 209 de 2.8.1997, p. 1).

(8)  O projeto de acordo está disponível em língua inglesa em https://ec.europa.eu/commission/sites/beta-political/files/budget-may2018-contributions-stabilisation-fund_en.pdf.

(9)  V. o Relatório de Convergência do BCE de Maio de 2018, p. 21.

(10)  V. o Relatório de Convergência do BCE de Maio de 2018, p. 25.

(11)  O artigo 33.o-2 dos Estatutos do SEBC dispõe que, na eventualidade de o BCE registar perdas, estas podem ser cobertas pelo fundo de reserva geral do BCE e, se necessário, por decisão do Conselho do BCE, pelos proveitos monetários do exercício financeiro correspondente, proporcionalmente e até aos montantes repartidos entre os bancos centrais nacionais, de acordo com o disposto no artigo 32.o-5 dos Estatutos do SEBC.

(12)  Ver o artigo 8.o do Regulamento (UE) n.o 407/2010 do Conselho, de 11 de maio de 2010, que cria um mecanismo europeu de estabilização financeira (JO L 118 de 12.5.2010, p. 1).

(13)  Orientação BCE/2014/9 do Banco Central Europeu, de 20 de fevereiro de 2014, relativa às operações de gestão de ativos e passivos domésticos pelos bancos centrais nacionais (JO L 159 de 28.5.2014, p. 56).


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