EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 31998Y0521(01)

Parecer do Instituto Monetário Europeu sobre uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao carácter definitivo da liquidição e à constituição de garantias

OJ C 156, 21.5.1998, p. 17–20 (ES, DA, DE, EL, EN, FR, IT, NL, PT, FI, SV)

31998Y0521(01)

Parecer do Instituto Monetário Europeu sobre uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao carácter definitivo da liquidição e à constituição de garantias

Jornal Oficial nº C 156 de 21/05/1998 p. 0017 - 0020


PARECER DO INSTITUTO MONETÁRIO EUROPEU (98/C 156/12)

Consulta por parte do Conselho da União Europeia, em conformidade com o nº 6 do artigo 109ºF do Tratado que institui a Comunidade Europeia e do nº 3 do artigo 5º dos Estatutos do Instituto Monetário Europeu (IME), sobre uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao carácter definitivo da liquidação e à constituição de garantias (a seguir designada «proposta de directiva»).

CON/96/09

1. A presente consulta foi accionada pelo Conselho da União Europeia que, para o efeito, transmitiu ao IME, em 10 de Julho de 1996, o texto da proposta de directiva, bem como a exposição de motivos [doc. COM(96) 193 final].

2. O IME congratula-se com a proposta de directiva que considera de uma importância capital para o funcionamento harmonioso e eficiente dos sistemas de pagamento. Para além disso, a sua adopção fomentaria a estabilidade dos mercados e das instituições financeiras em geral. Os estudos levados a cabo nos últimos anos sobre os aspectos jurídicos dos sistemas de pagamentos permitiram identificar cinco áreas a que deve ser concedida particular atenção, nomeadamente:

- a validade e a oponibilidade da compensação (netting) bilateral e multilateral,

- o carácter irrevogável das ordens de transferência,

- a eliminação do efeito retroactivo dos procedimentos de insolvência (abolição da regra das «zero horas»),

- a atenuação do possível efeito de distorção de uma legislação estrangeira sobre os acordos que regem a participação nos sistemas de pagamentos se um participante e/ou as garantias estão localizadas noutra ordem jurídica,

- a abolição dos obstáculos à constituição de garantias contempladas no âmbito dos sistemas de pagamentos ou das operações de política monetária.

A proposta de directiva aborda todas as questões supramencionadas.

3. O IME apoia a decisão de se optar por uma directiva pelas mesmas razões evocadas pela Comissão na exposição de motivos da proposta de directiva por si apresentada. O desenvolvimento de sistemas de pagamentos transfronteiras harmoniosos e eficientes em apoio ao mercado interno e a implementação de uma política monetária única na terceira fase da união económica e monetária (UEM), por um lado, e as diferenças entre as legislações dos Estados-membros no que respeita às características essenciais dos sistemas de pagamentos, por outro, constituem factores que exigem um grau de harmonização que apenas pode ser alcançado mediante a adopção de um instrumento jurídico vinculativo que estabeleça o enquadramento geral dessa harmonização.

4. O IME daria o seu apoio à aplicação das disposições da directiva aos sistemas de liquidação de valores mobiliários para evitar os riscos sistémicos nos mercados financeiros. Os mercados financeiros são de tal forma interdependentes que certas questões como, por exemplo, o carácter irrevogável das ordens de transferência e a abolição das «zero horas» não podem, nem devem, ser tratados para os sistemas de pagamento considerados isoladamente. Por exemplo, a anulação de uma liquidação no âmbito de um sistema de liquidação de valores mobiliários pode ter um impacto negativo na estabilidade dos mercados financeiros e das instituições financeiras em geral e, em particular, nos sistemas de pagamentos interligados ou associados.

Os sistemas de pagamentos e os sistemas de liquidação de valores mobiliários são funcionalmente interdependentes através de mecanismos de entrega contra pagamento utilizados actualmente pela maioria dos países europeus para garantir que as partes podem liquidar (de forma irrevogável) as suas obrigações na certeza de que a sua contraparte fez o mesmo, salvaguardando, assim, o funcionamento harmonioso dos mercados financeiros. Se a componente da operação que consiste em entregar os fundos fosse definitiva - o que constitui o objectivo da directiva no que respeita aos pagamentos - e a outra componente, isto é, entrega de títulos, pudesse, em contrapartida, ser impugnada com êxito por um liquidatário, por exemplo, tal poderia comprometer a liquidação das operações em questão e gerar um risco sistémico, o que poria em perigo a estabilidade dos mercados financeiros em geral. Para além disso, nos Estados-membros em que os mecanismos supramencionados estão baseados em disposições regulamentares e/ou contratuais, a adopção e aplicação da directiva não deve dar lugar a distorções involuntárias do equilíbrio dos referidos mecanismos mediante a imposição do carácter definitivo dos pagamentos sem impor o da entrega de valores. Estes problemas podem ser evitados se as disposições da proposta de directiva se aplicarem também aos sistemas de liquidação de valores mobiliários.

Para além disso, nos casos em que os sistemas de liquidação de valores prevêem a compensação (netting), esta deveria estar baseada numa legislação, pelas mesmas razões apontadas para a compensação nos sistemas de pagamentos (ver o primeiro travessão do ponto 6 infra). Por último, os sistemas de liquidação de valores deveriam beneficiar, tal como os sistemas de pagamentos, da disposição da proposta de directiva que implica que os direitos e obrigações de um participante estrangeiro decorrentes da sua participação num sistema de pagamentos de outro país são regidos, em caso de insolvência do participante, pela lei sobre insolvência do país em que está localizado o sistema de pagamentos. O mesmo é aplicável às medidas de preservação que a directiva prevê para os titulares de garantias no âmbito dos sistemas de pagamentos, que também poderiam aplicar-se de forma útil aos sistemas de liquidação de valores mobiliários.

O IME considera que seria preferível que os sistemas de liquidação de valores fossem abrangidos pela directiva em apreciação, em vez de serem objecto de uma directiva separada. Em primeiro lugar, é altamente improvável que uma directiva separada possa ser discutida com êxito em paralelo, ser adoptada e implementada antes da terceira fase. Em segundo lugar, não é desejável que a legislação sobre este tipo de questões se disperse em vários instrumentos legislativos comunitários devido, sobretudo, ao risco de incoerências que daí pode resultar. Não obstante, a preocupação principal do IME no que respeita à proposta de directiva é a sua adopção e implementação oportuna a fim de que seja garantido o bom funcionamento dos sistemas de pagamentos na terceira fase da UEM. Por conseguinte, deveria evitar-se que o alargamento da proposta de directiva aos sistemas de liquidação de títulos atrasasse esse processo. Parece possível evitar o atraso que provocaria a preparação de uma directiva separada introduzindo alterações à proposta de directiva, por forma a abranger os sistemas de liquidação de valores. Tal pode ser realizado de diferentes maneiras (que não se excluem entre si), nomeadamente: mediante adaptação das definições de vários termos-chave (por exemplo, ordem de pagamento, sistema de pagamentos, etc.); através da introdução de novas definições (por exemplo, especificar o âmbito das expressões «valores», «sistema de liquidação de valores» e «transferência de fundos através desse sistema»); por meio da indicação das referências adequadas e do alargamento do campo de aplicação do texto aos artigos relativos a esta questão. O IME está disposto a apresentar sugestões e a colaborar na análise do impacto que as alterações à directiva representariam para o sector financeiro. Por último, tendo em conta que a directiva será adoptada no âmbito do processo de co-decisão entre o Parlamento Europeu e o Conselho e, mais uma vez, para evitar atrasos, o IME propõe que o Conselho informe o Parlamento, o mais rapidamente possível, dos esforços que está a envidar com vista à inclusão dos sistemas de liquidação de valores na directiva para evitar qualquer atraso aquando da segunda leitura.

5. No que respeita aos sistemas de pagamentos, o desejo principal do IME é que a directiva abranja todos os sistemas de pagamentos susceptíveis de gerar riscos sistémicos. Reconhece-se o facto de que a formulação de uma definição concisa que englobe todos os acordos que comportam riscos sistémicos não é tarefa fácil, sobretudo devido ao facto de a natureza e a forma desses acordos poderem variar de um Estado-membro para outro. No entanto, o IME é de opinião de que a proposta de directiva deveria ser menos ambígua no que respeita ao seu âmbito de aplicação e de que a definição do seu alcance deveria orientar-se mais claramente para englobar todos os sistemas de pagamentos susceptíveis de incorrer em riscos sistémicos ou de os gerar.

A definição de «participação directa» na alínea b) do artigo 2º e, em particular, a frase «implique a responsabilidade em matéria de liquidação», parecem implicar um âmbito de aplicação circunscrito aos sistemas de pagamentos que, no «Compendium on Payment Systems in the European Union» do IME, de Abril de 1996 (o «Livro Azul»), são definidos como sistemas de transferência de fundos, isto é, «. . . acordo[s] . . . implicando múltiplos participantes, normas comuns e disposições normalizadas, para a transmissão e liquidação das obrigações monetárias entre os participantes». Na opinião do IME, a directiva deveria cobrir essas disposições, no mínimo. No entanto, o IME entende, a partir da leitura da alínea h) do artigo 2º da proposta de directiva, que o âmbito de aplicação previsto da mesma não está limitado a esses sistemas, pretendendo-se abranger também a participação indirecta (ou subparticipação), bem como as actividades dos bancos correspondentes. O IME considera que, em função do sistema, pode haver boas razões para alargar o âmbito de aplicação da directiva no sentido de esta englobar os sistemas de pagamentos susceptíveis de gerar, embora indirectamente, riscos sistémicos - precisamente o tipo de situação que a directiva visa evitar. Tal é sobretudo válido para os sistemas de pagamentos com participantes ou subparticipantes. No entanto, impõe-se, ao mesmo tempo, uma certa prudência no que respeita ao alargamento ilimitado da protecção oferecida pela directiva a sistemas de pagamentos bilaterais, nos casos em que esses sistemas não são susceptíveis de gerar quaisquer riscos sistémicos. Por essa razão, no que respeita a sistemas em que intervêm bancos correspondentes, o IME considera que estes deveriam ser incluídos no texto na medida em que é necessária a protecção da directiva para evitar situações de risco sistémico que possam decorrer do papel do banco correspondente na interligação dos sistemas de pagamentos.

6. Certas disposições da proposta de directiva suscitam, da parte do IME, algumas observações, de um modo geral positivas. Essas observações são influenciadas, em larga medida, por um tipo de situação que constitui a principal ameaça para o funcionamento harmonioso e eficiente dos sistemas de pagamentos e dos sistemas de liquidação de valores: a insolvência de um participante nesses sistemas.

- Artigo 3º

No passado, as dúvidas sobre a oponibilidade da compensação (netting) en todas as circunstâncias, em particular em caso de insolvência, constituíam o principal obstáculo ao desenvolvimento de sistemas de transferência de fundos e, em especial, de sistemas de pagamentos em determinadas ordens jurídicas. Por isso, a instauração de uma base jurídica clara para a compensação (netting) contribuiria consideravelmente para facilitar a eficácia dos sistemas de pagamentos. Eliminaria o risco de um liquidatário de um participante insolvente poder exigir, com êxito, a anulação das posições líquidas e, ao mesmo tempo, as incertezas relativas aos riscos reais incorridos pelos participantes, eliminando, assim, um elemento adicional do risco sistémico dos sistemas que funcionam actualmente numa base líquida e que têm participantes de diversas ordens jurídicas em que a legislação em matéria de insolvência pode, em certos casos, não reconhecer a compensação (netting). Esta medida teria um efeito benéfico na estabilidade dos mercados e das instituições financeiras. Por conseguinte, o IME apoia sem reservas a proposta que visa garantir, através da directiva em questão, a oponibilidade da compensação (netting) a terceiros.

- Artigo 4º

O carácter irrevogável das ordens de transferência constitui, efectivamente, uma condição prévia para o funcionamento harmonioso e eficiente dos sistemas de pagamentos. Responde à necessidade de salvaguardar o funcionamento técnico das operações efectuadas no âmbito de um sistema de pagamentos. No entanto, não impede o emissor de uma ordem de pagamento (ou o seu liquidatário) de reclamar um montante equivalente ao valor do pagamento se as circunstâncias subjacentes à transacção o justificarem. A proposta de directiva reconhece este princípio, facto com que se congratula o IME.

- Artigo 5º

A regra das «zero horas» (que confere um efeito retroactivo a uma falência às zero horas do dia da insolvência) é aplicada em vários Estados-membros e compromete o funcionamento harmonioso e eficiente dos sistemas de pagamentos. O IME aprova, por conseguinte, que a proposta de directiva trate esta questão de forma concludente.

- Artigo 6º

O facto de os direitos e obrigações decorrentes da participação num sistema de pagamentos ou com ela relacionados serem determinados pela legislação sobre insolvência do país em que está localizado o sistema de pagamentos contribui para uma clareza jurídica. No entanto, é importante assegurar que a proposta de directiva e a directiva sobre a liquidação não são incompatíveis entre si.

Para além disso, o IME regista, com satisfação, que o artigo 6º e a alínea i) do artigo 2º da directiva, considerados em conjunto, prevêem duas possibilidades no que respeita à legislação aplicável (em matéria de insolvência): a escolhida pelos participantes num sistema de pagamentos para reger os seus dispositivos de pagamento ou, na ausência de tal opção, o sistema de pagamentos localizado no Estado-membro em que se realiza a liquidação. Para os sistemas de pagamentos transfronteiras é importante manter estas duas possibilidades já que, no âmbito desses pagamentos, os agentes de liquidação podem estar domiciliados em diferentes países e, por conseguinte, o sistema de pagamentos não está localizado num país determinado. A este respeito, o IME supõe que o artigo 6º da proposta de directiva servirá de base para a adopção do edifício jurídico mais adequado, bem como para a escolha da legislação aplicável ao sistema TARGET, que o IME e os bancos centrais estão actualmente a elaborar.

- Artigo 7º

O requisito segundo o qual a garantia constituída no âmbito da participação num sistema de pagamentos ou de operações de política monetária pode realizar-se em conformidade com os termos da participação ou do crédito, constitui uma outra condição prévia para o bom funcionamento dos sistemas de pagamento e para a gestão da política monetária. A interferência na constituição de garantias poria em perigo não só o funcionamento harmonioso e eficiente dos sistemas de pagamento, mas também a estabilidade dos mercados e instituições financeiras no seu conjunto. Por outro lado, o artigo 18º dos Estatutos do SEBC/BCE obriga o BCE e os bancos centrais nacionais dos Estados-membros a exigir garantias «adequadas» no âmbito das suas operações de crédito. Este requisito não pode ser satisfeito se, na eventualidade da necessidade de constituir garantias, isto é, em caso de insolvência, essas garantias não puderem ser constituídas em conformidade com os termos do acordo de participação ou de crédito devido a obstáculos a essa realização nas legislações das diversas ordens jurídicas. Esta questão revestir-se-á de particular importância quando o mercado único, o sistema TARGET e a política monetária única na terceira fase derem lugar a um recurso acrescido ao acesso à distância a sistemas de pagamentos e, eventualmente, às operações de política monetária, bem como ao desenvolvimento da utilização transfronteiras de garantias. Sem prejuízo das outras condições, estes procedimentos só serão possíveis se puderem ser constituídas garantias em conformidade com os termos do acordo de participação e de crédito. Por conseguinte, o IME apoia cabalmente o objectivo do artigo 7º da proposta de directiva.

Contudo, o texto deste artigo, na sua redacção actual, pode dar lugar a confusão quando é empregue o termo «pledge» (na versão inglesa). Seria necessário que o texto abrangesse outros tipos de operações de garantia tais como as transacções de recompra e outros procedimentos específicos a certos Estados-membros (ver o segundo considerando do prêambulo da directiva e a ampla definição de «garantias» no nº 1 do artigo 2º). O IME sugere que, por razões de clareza jurídica, isto fique claro na proposta de directiva.

7. O IME aceita que o presente parecer possa ser tornado público pelo Conselho da União Europeia se este assim o entender.

Top