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Document 52018AB0020

Parecer do Banco Central Europeu, de 11 de abril de 2018, sobre uma proposta de regulamento relativo à criação do Fundo Monetário Europeu (CON/2018/20)

OJ C 220, 25.6.2018, p. 2–5 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

25.6.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 220/2


Parecer do Banco Central Europeu

de 11 de abril de 2018

sobre uma proposta de regulamento relativo à criação do Fundo Monetário Europeu

(CON/2018/20)

(2018/C 220/02)

INTRODUÇÃO E BASE JURÍDICA

Em 1 de fevereiro de 2018, o Banco Central Europeu (BCE) recebeu do Conselho da União Europeia um pedido de parecer sobre uma proposta de regulamento do Conselho relativo à criação do Fundo Monetário Europeu (1) (a seguir «regulamento proposto»).

A competência do BCE para emitir parecer resulta do disposto no artigo 127.o, n.o 4, e no artigo 282.o, n.o 5, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, uma vez que o regulamento proposto é relevante para o objetivo primordial do Sistema Europeu de Bancos Centrais de manutenção da estabilidade dos preços, previsto no artigo 127.o, n.o 1, e no artigo 282.o, n.o 2, do Tratado, e no artigo 2.o dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu (a seguir «Estatutos do SEBC»), para além de conter disposições respeitantes ao envolvimento do BCE na estrutura de governo e na missão do Fundo Monetário Europeu.

O presente parecer foi aprovado pelo Conselho do BCE, em conformidade com o disposto no primeiro período do artigo 17.o- 5 do Regulamento Interno do Banco Central Europeu.

Observações genéricas

O BCE apoia a iniciativa da Comissão Europeia tendente a integrar o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) no quadro jurídico da União (2). Tal como referido no relatório dos cinco presidentes «Concluir a União Económica e Monetária Europeia» (3), elaborado pelos presidentes da Comissão Europeia, do Conselho Europeu, do Parlamento Europeu, do Eurogrupo e do BCE, esta iniciativa constitui um passo importante no sentido da conclusão da união económica e monetária da Europa. O estabelecimento do MEE como organismo da União permitir-lhe-ia alcançar mais eficazmente o seu objetivo de contribuir para a salvaguarda da estabilidade financeira da área do euro, bem como para a dos Estados-Membros participantes na união bancária. Para atingir o seu objetivo, o MEE pode reunir fundos e prestar apoio de estabilidade em benefício de membros do MEE que estejam a ser afetados ou ameaçados por problemas graves de financiamento.

O BCE observa igualmente que, se o MEE ficar fora da ordem jurídica da União enquanto organismo intergovernamental, qualquer futura discussão das atribuições que possam vir a ser conferidas ao MEE no domínio da governação económica devem respeitar as competências conferidas à União e às suas instituições ao abrigo do direito da União (4).

O BCE salienta que o regulamento proposto constitui um primeiro passo importante, e que serão essenciais novas reformas do MEE. Em primeiro lugar, o MEE deve ser equipado com os instrumentos financeiros necessários para alcançar os seus objetivos e para desempenhar as suas atribuições. O BCE recomenda que estes instrumentos financeiros sejam novamente revistos para assegurar que são adequados para combater eficazmente as causas da instabilidade financeira e o contágio em situações agudas de instabilidade do mercado (5), e para servir de esteio à União bancária. A assistência financeira a título cautelar sujeita a condições adequadas, em especial, deveria ser reforçada para contribuir melhor para a prevenção da crise. Em segundo lugar, para aplicar efetivamente estes instrumentos, é importante melhorar os mecanismos de governação do MEE de modo a que os processos de decisão sejam credíveis e rápidos, baseados numa consultoria técnica independente de qualidade elevada.

Observações específicas

1.   Funções do BCE

1.1.

O Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade (a seguir «Tratado MEE») confere diversas atribuições do MEE à Comissão Europeia, em articulação com o BCE. Em especial, a Comissão Europeia é incumbida de, em ligação com o BCE, avaliar os pedidos de apoio de estabilidade, negociar um memorando de entendimento que especifique a condicionalidade que acompanha o instrumento de assistência financeira concedido, e monitorizar a observância da condicionalidade que acompanha o instrumento de assistência financeira. Mais especificamente, no contexto da avaliação do pedido de apoio de estabilidade, o presidente do Conselho de Governadores está obrigado a confiar à Comissão Europeia, em articulação com o BCE, a avaliação da existência de um risco para a estabilidade financeira da área do euro no seu todo ou dos seus Estados-Membros; a avaliação da sustentabilidade da dívida pública; e a avaliação das necessidades reais ou potenciais de financiamento do membro do MEE em causa. Além disso, a Comissão Europeia e o BCE ficam incumbidos de avaliar a urgência dos pedidos de apoio de estabilidade, e de participar nas reuniões do Conselho de Governadores e do Conselho de Administração na qualidade de observadores.

1.2.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (a seguir «Tribunal de Justiça») declarou no processo Pringle (6) que as funções confiadas à Comissão e ao BCE no âmbito do Tratado MEE, por mais importantes que sejam, não comportam um poder de decisão. Por outro lado, as atividades exercidas por estas duas instituições no âmbito do mesmo Tratado só vinculam o MEE (7). O Tribunal de Justiça declarou ainda que, «por seu turno, as funções atribuídas ao BCE pelo Tratado MEE estão em consonância com as diferentes missões que o Tratado FUE e os estatutos do SEBC conferem a essa instituição» (8).

1.3.

As funções do BCE nos termos do regulamento proposto mantêm-se substancialmente idênticas às previstas nos termos do Tratado MEE. A esse respeito, o BCE considera importante salientar que qualquer contribuição para a boa condução das políticas, nos termos do Tratado MEE e do regulamento proposto, incidirá sobre questões específicas que são relevantes para as atribuições fundamentais de definição e execução da política monetária cometidas ao SEBC, e também para a contribuição do SEBC para a boa condução das políticas desenvolvidas pelas autoridades competentes no que se refere à supervisão prudencial das instituições de crédito e à estabilidade do sistema financeiro. O envolvimento do BCE deverá permitir ao BCE estar em condições, não só de avaliar as implicações para as respetivas atribuições, mas também de colocar os seus conhecimentos especializados ao serviço do MEE, da Comissão Europeia e do Estado-Membro em questão. A atual formulação, nos termos da qual a Comissão Europeia desempenha as respetivas atribuições «em articulação com» o BCE, foi desenvolvida em plena crise financeira. O BCE recomenda que, à luz dos desenvolvimentos posteriores e do reforço do quadro permanente de gestão de crises da União na conjuntura pós-crise, qualquer papel do BCE fique bem esclarecido, por forma a refletir melhor as atribuições e a independência do BCE nos termos dos Tratados e a repartir claramente a competência técnica e as responsabilidades no futuro quadro do MEE. Para o futuro, o BCE pode lidar, de forma adequada e sempre que necessário, em conformidade com as respetivas competências, com políticas do setor financeiro e questões essenciais do ponto de vista macroeconómico, tais como grandes objetivos fiscais, sustentabilidade e necessidades fiscais.

1.4.

Por último, o BCE recomenda a introdução de algumas clarificações no regulamento proposto para refletir as funções do BCE por força de outros diplomas legislativos, incluindo, em especial, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), que foi criado em 2013, depois da entrada em vigor do Tratado MEE (9). Os instrumentos de assistência financeira endereçados ao setor bancário devem ter em conta as responsabilidades do BCE em matéria de supervisão das instituições de crédito no quadro do MUS (10). A este propósito, o regulamento proposto deve assegurar o envolvimento adequado e atempado do BCE ou a prestação de informações ao BCE, conforme aplicável, em preparação para a prestação de apoio ao abrigo desses instrumentos.

2.   Prestação de apoio ao Conselho Único de Resolução

2.1.

O regulamento proposto introduz uma nova tarefa que deverá ser desempenhada pelo MEE, para alcançar o seu objetivo de contribuir para a salvaguarda da estabilidade financeira da área do euro, bem como dos Estados-Membros participantes na união bancária. O MEE é incumbido de prestar apoio financeiro, sob a forma de linhas de crédito ou de garantias, ao Conselho Único de Resolução (CUR), que foi criado nos termos do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho (11).

2.2.

Conforme salientado no Relatório dos Cinco Presidentes sobre «Concluir a União Económica e Monetária Europeia», o BCE apoia a iniciativa de atribuir ao MEE a tarefa de proporcionar um mecanismo comum de apoio credível para o Fundo Único de Resolução (FUR). Conforme já referiu anteriormente (12), o BCE apoia a proposta de serem estabelecidos dispositivos de apoio adicionais que podem ser ativados em circunstâncias excecionais, no caso de as contribuições ex ante do FURB não serem suficientes e as contribuições ex post não estarem imediatamente acessíveis para cobrir as suas despesas, mediante a contração de empréstimos ou a contratação de outras formas de apoio junto de instituições financeiras ou de outros terceiros. Tal mecanismo de apoio deveria ser implementado o mais rapidamente possível e, o mais tardar, antes do termo do período de transição, a 1 de janeiro de 2024, previsto no Regulamento (UE) n.o 806/2014.

2.3.

É muito importante que o mecanismo de apoio suporte todas as possíveis medidas do CUR, incluindo a prestação de apoio em termos de insolvência e em termos de liquidez a instituições objeto de resolução. O apoio em termos de liquidez apresenta um risco muito inferior de perdas e é, por definição, temporário. Os dispositivos de apoio que facilitam o fornecimento de liquidez pelo CUR são especialmente importantes porque os volumes de apoio em termos de liquidez a uma instituição objeto de resolução podem ser elevados, ultrapassando, assim, a capacidade do CUR.

2.4.

O BCE concorda que o mecanismo de apoio deve ser neutro do ponto de vista orçamental a médio prazo, assegurando que os auxílios públicos são recuperados através de taxas ex post aplicadas ao setor financeiro. Esta exigência preserva um dos principais fundamentos da criação de um Mecanismo Único de Resolução, a saber, a resolução dos bancos sem incorrer em custos permanentes suportados pelos contribuintes. Seria importante ponderar cuidadosamente o horizonte temporal para a recuperação do setor financeiro destes fundos, de modo a evitar taxas excessivamente procíclicas (13).

2.5.

O BCE observa uma certa incongruência nos processos de tomada de decisão sobre o apoio ao CUR. Por um lado, os Estados-Membros não pertencentes à área do euro participantes no MUS e os Estados-Membros da área do euro prestarão apoio financeiro conjunto, através do MEE, ao CUR. Por este motivo, as decisões sobre o apoio ao CUR são tomadas pelo Conselho de Governadores, deliberando de acordo com os Estados-Membros não pertencentes à área do euro participantes no MUS. Contudo, quando se trata da aprovação subsequente dessas decisões pelo Conselho, todos os membros do Conselho podem participar na votação (14), incluindo os Estados-Membros não pertencentes à área do euro não participantes no MUS.

2.6.

Por último, o BCE salienta a necessidade de garantir que todo o procedimento relativo a esse apoio ao CUR se possa efetuar rapidamente e sem atrasar a adoção e execução da decisão do CUR sobre o regime de resolução. As decisões sobre desembolsos do MEE devem, o mais possível, ser automáticas, rápidas e eficientes. A este respeito, o BCE acolhe favoravelmente o facto de o regulamento proposto assegurar um procedimento rápido relativamente às decisões do MEE sobre utilizações da linha de crédito. O diretor-executivo tem o poder de decidir sobre a utilização da linha de crédito e deve adotar esta decisão até 12 horas após receção de um pedido do CUR (15).

3.   Alteração da denominação do Mecanismo Europeu de Estabilidade

3.1.

A iniciativa da Comissão Europeia de alterar a denominação do MEE pode induzir em erro, tanto no que diz respeito aos objetivos do MEE, como aos instrumentos ao seu dispor. O BCE sugere que seja mantida a denominação atual do MEE porque tal assegurará, em relação ao público, claridade e continuidade. Refira-se, a este respeito, que o uso do termo «monetário» no novo nome do organismo da União, nos termos do regulamento proposto, é incorreto, sobretudo porque os objetivos e atribuições do MEE não são de natureza «monetária». De acordo com os Tratados, a política económica baseia-se na estreita coordenação das políticas económicas dos Estados-Membros, no mercado interno e na definição de objetivos comuns, enquanto as atribuições fundamentais de definição e execução da política monetária da União e de realização de operações cambiais são conferidas ao SEBC, que é dirigido pelos órgãos de decisão do BCE.

3.2.

O Tribunal de Justiça declarou no acórdão Pringle que a criação do MEE faz parte do domínio da política económica (16). O Tribunal de Justiça observou que o objetivo prosseguido pelo referido mecanismo, que é a preservação da estabilidade da zona euro no seu todo, é claramente distinto do objetivo de manter a estabilidade dos preços, que constitui o objetivo primordial da política monetária da União. Com efeito, embora a estabilidade da zona euro possa ter repercussões na estabilidade da moeda utilizada nessa zona, não se pode equiparar uma medida de política económica a uma medida de política monetária apenas porque é suscetível de ter efeitos indiretos na estabilidade do euro (17).

3.3.

O BCE compreende que a escolha da nova denominação possa ter sido inspirada pela do Fundo Monetário Internacional (FMI). Contudo, o FMI foi criado em diferentes circunstâncias e com objetivos e funções diferentes. O FMI foi criado pelo Acordo relativo ao FMI adotado em 1944 e encarregado de controlar a observância pelos membros do sistema cambial com base na paridade — também conhecido como o «sistema Bretton Woods» — para impedir a repetição das desvalorizações competitivas que contribuíram para a Grande Depressão dos anos 30 do século passado. O mesmo tem por finalidade, inter alia, promover a cooperação monetária internacional; facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio internacional; promover a estabilidade cambial, manter um regime cambial adequado entre os seus membros e impedir a depreciação competitiva das taxas de câmbio; e disponibilizar temporariamente os recursos gerais do FMI aos seus membros, mediante salvaguardas adequadas, permitindo-lhes corrigir desequilíbrios nas respetivas balanças de pagamentos (18).

Feito em Frankfurt am Main, em 11 de abril de 2018.

O Presidente do BCE

Mario DRAGHI


(1)  COM(2017) 827 final.

(2)  Ver ponto 8 do Parecer CON/2011/24. Todos os pareceres do BCE são publicados no sítio Web do BCE em www.ecb.europa.eu

(3)  Ver: Comissão Europeia — «Concluir a União Económica e Monetária Europeia», relatório apresentado por Jean-Claude Juncker, em estreita cooperação com Donald Tusk, Jeroen Dijsselbloem, Mario Draghi e Martin Schulz, de 22 de junho de 2015, disponível no sítio Web da Comissão em www.ec.europa.eu

(4)  Ver acórdão Comissão das Comunidades Europeias/República Francesa, 7/71, ECLI:EU:C:1971:121, n.o 20; conclusões apresentadas em 10 de abril de 1992 no processo 1/92, ECLI:EU:C:1992:189, n.o 41; acórdão Thomas Pringle/Governo da Irlanda e.o., C-370/12, ECLI:EU:C:2012:756, n.o 158.

(5)  Ver ponto 6 do Parecer CON/2011/24.

(6)  Ver acórdão Pringle, C-370/12.

(7)  Ver acórdão Pringle, C-370/12, n.o 161.

(8)  Ver acórdão Pringle, C-370/12, n.o 165. Ver também n.o 150 das conclusões apresentadas pelo advogado-geral P. Cruz Villalón no processo Peter Gauweiler e o./Deutscher Bundestag, C-62/14, ECLI:EU:C:2015:7.

(9)  Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao Banco Central Europeu atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO L 287 de 29.10.2013, p. 63).

(10)  Acórdão Leeskreditbank Baden-Württemberg-Förderbank/Banco Central Europeu, T-122/15, ECLI:EU:T:2017:337, n.o 63.

(11)  Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um mecanismo único de resolução e de um fundo único de resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO L 225 de 30.7.2014, p. 1).

(12)  Ver ponto 2.8 do Parecer CON/2013/76.

(13)  Ver ponto 2.8 do Parecer CON/2013/76.

(14)  Artigo 3.o, n.o 4, do regulamento proposto e artigos 22.o e 23.o do anexo do regulamento proposto.

(15)  Ver os artigos 22.o, n.o 7, e 23.o, n.o 2, alínea b), do anexo do regulamento proposto.

(16)  Ver acórdão Pringle, C-370/12, n.o 60.

(17)  Ver acórdão Pringle, C-370/12, n.o 56.

(18)  Ver artigo I, alíneas i), ii), iii) e v), do Acordo relativo ao Fundo Monetário Internacional.


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